Desde a década de 1970, o uso de defensivos químicos tem sido a base da agricultura mundial. Dados do Ministério da Agricultura informam que em 2018 foram registrados 450 novos defensivos no país, sendo que no primeiro semestre de 2019 esse número já havia chegado a 211.
Desde 2008, o Brasil ocupa a liderança internacional no consumo de agrotóxicos. Nos últimos dez anos, o mercado mundial de defensivos agrícolas cresceu 93%, enquanto o mercado brasileiro cresceu assustadores 190%. Isso confirma os números alarmantes do volume de insumos químicos empregados no país: na safra de 2011, por exemplo, foram pulverizados 853 milhões de litros de agrotóxicos nos 71 milhões de hectares de lavoura plantados no país, o que representou uma exposição média de 4,5 litros de agrotóxicos por habitante*.
A busca constante pelo aumento da produtividade vem ignorando o fato de que os danos causados pelos agrotóxicos são irreversíveis e vão muito além da percepção dos agricultores, uma vez que seu alcance ultrapassa os limites da lavoura e atinge toda a sociedade: contaminação dos trabalhadores e consumidores (pelos resíduos nos alimentos); comprometimento dos recursos hídricos; contaminação da flora e da fauna por acúmulo na cadeia alimentar e o consequente empobrecimento da diversidade biológica. Há todo um ciclo de envenenamento que não é levado em consideração quando da utilização dos agrotóxicos, o que acaba violando os direitos humanos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à alimentação adequada.
A Constituição Federal, em seu art. 225, cuidou de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito das presentes e futuras gerações. Por sua vez, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) entende que qualquer alteração adversa das características do meio ambiente é uma forma de degradação da qualidade ambiental (art. 3º, II). Além disso, essa mesma norma considera poluição qualquer atividade que resulte, direta ou indiretamente, em prejuízos à saúde da população, afetem desfavoravelmente a biota e as condições sanitárias do meio ambiente (art. 3º, III, “a”, “c” e “d”).
O direito à alimentação adequada, por sua vez, além da previsão constitucional que o coloca no rol dos direitos sociais (art. 6º, CF/88), foi legalmente instituído no país pela Lei Federal nº 11.346/06, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN, que define também o conceito de segurança alimentar e nutricional: “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente […]” (art. 3º).
Não é possível falar em qualidade quando se sabe que os resíduos dos agrotóxicos encontrados nos alimentos podem acarretar contaminação de efeitos crônicos, que chegam a se manifestar meses, anos ou até décadas após a exposição, resultando em doenças como cânceres, más-formações congênitas, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais*.
A LOSAN vincula, ainda, o alcance do direito à alimentação ao cuidado com a preservação e proteção ambiental, quando estabelece que a segurança alimentar deve abranger “a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos” (art. 4º). Assim, assegurar a qualidade do meio ambiente é imprescindível para a salvaguarda da segurança alimentar. O direito à alimentação adequada não pode existir sem a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
À medida que o emprego de agrotóxicos na agricultura contribui para a degradação da qualidade ambiental, causando danos à fauna e à flora, bem como afeta diretamente a saúde da população, em decorrência dos resíduos nos alimentos, consolida-se como uma atividade potencialmente poluidora e violadora dos direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à alimentação adequada.
O avanço da agricultura deve estar aliado às práticas conservadoras da qualidade ambiental. As tecnologias desenvolvidas para o campo precisam estar voltadas para a promoção de um cultivo limpo, que gere riquezas ao mesmo tempo que conserva a saúde da população e do meio ambiente.
É urgente que o desenvolvimento econômico no campo seja pautado pela sustentabilidade. A redução do uso de agrotóxicos é medida que desafia o modelo de produção agrícola dominante no país, mas que abre caminho para novas formas de cultivo sustentável e igualmente lucrativos. O desenvolvimento sustentável da agricultura deve estar inserido nas agendas econômica e política do Brasil, pautando a produtividade no campo aliada à proteção do meio ambiente e, assim, assegurando os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à alimentação adequada.
*Dados retirados do Dossiê Abrasco, 2015.