A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) inova ao dar tratamento especial às questões ambientais quando da aquisição de bens e serviços por parte do Poder Público.
Diferentemente da lei anterior, traz exigências muito mais eficazes e inclui a proteção do Meio Ambiente como objetivo no seu rol de princípios.
Na Lei nº 8.666/93, vigente até então, a abordagem da questão ambiental era tímida. A questão era inicialmente tratada em seu artigo 3º, que teve a redação alterada em 2010, ao estabelecer que a licitação pública destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Tal princípio foi mantido na nova norma em seu artigo 5º, o qual diz, in verbis:
Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
A promoção do Desenvolvimento Sustentável desde a norma de 1993, atende ao Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, inserido em nossa Constituição em 1988, no seu artigo 225. Já que a própria Carta Magna recepcionou a Lei nº 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente e, na vanguarda internacional, trouxe a ideia da preservação ambiental, integrada com o desenvolvimento socioeconômico e a proteção da dignidade humana. Não podemos deixar de citar que tais assuntos abordados na lei brasileira esses sustentáculos do termo Desenvolvimento Sustentável, que foi cunhado oficialmente somente em 1987, através do Relatório Nosso Futuro Comum (Our Common Future), coordenado pela então Primeiro-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, nos trabalhos da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, que já trabalhava o tema na década anterior.
Na norma de 1993 os termos ambiente ou ambiental eram citados apenas 4 vezes, ante as 26 vezes que agora surgem na nova norma. Um aumento considerável. Na lei agora revogada o assunto era então tratado na análise do impacto ambiental de projetos básicos de bens e serviços a serem adquiridos (art. 6º, IX) e também de projetos executivos (de obras e serviços de engenharia, art. 12, VII), na questão da dispensa da licitação na contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, quando o serviço deveria ser executado com equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública (art. 24, XXVII) e, por último, quando tratou da obrigação da Administração Pública fiscalizar o cumprimento dos requisitos de acessibilidade nos serviços e nos ambientes de trabalho (art. 66-A, parágrafo único).
Na legislação agora vigente, como mencionado, os termos ambiente e ambiental são utilizados em sua redação de forma mais vigorosa, passando a ser incorporado como uma constante no regramento licitatório, devendo ser, dessa maneira, obrigatória a atenção do agente público e das autoridades ordenadoras de despesas quanto à necessidade de aquisição de bens materiais e serviços que sejam obrigatoriamente sustentáveis. Antes uma indicação de que esse era o caminho melhor a ser seguido, agora uma determinação de que esse é o único caminho a ser seguido.
Um avanço considerável no Direito Público Brasileiro, unindo o Direito Financeiro e o Direito Ambiental de uma vez por todas.
Longe de querermos esmiuçar neste artigo simplificado cada uma das passagens da questão ambiental, devemos ao menos apontar as principais questões.
Seu artigo 11 diz que processo licitatório tem por objetivos:
I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;
III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV – incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
Agora, a observância ao Princípio do Desenvolvimento Sustentável foi alçado a primeiro plano na legislação sobre licitações públicas, pois passa agora a condição de objetivo de qualquer processo licitatório, ou seja, qualquer esforço nesse sentido realizado pelo Poder Público deverá objetivar não somente a aquisição dos bens e serviços necessários à atividade estatal, mas, deverão objetivar categórica e positivamente a preservação ambiental.
Indo além, podemos acreditar que aqui nasce um novo princípio do Direito Ambiental Brasileiro, o de que a atividade econômica estatal, pelo menos inicialmente tratada nas licitações e contratos, sempre deverá atender aos princípios do Direito Financeiro e agora, categoricamente, aos princípios ambientais. Podendo chamá-lo de Princípio da Licitação Pública Sustentável.
Complementando essa ideia a legislação exige que na fase preparatória do processo licitatório, ou seja, no momento da definição do objeto, da planificação de custos e outras atividades anteriores à própria execução da licitação, caberá a descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável (art. 18, XII). Em outras palavras o bem ou serviço definido para aquisição deverá ser detalhadamente descrito em técnicas e parâmetros que possam quantificar a minoração exigida de possível impacto ambiental, as ações mitigadoras que devam ser exigidas do licitante, bem como a exigência legal do cumprimento de responsabilidades no tocante à todas as etapas do processo logístico, ou seja, do fornecimento do bem ou serviço e as consequentes ações de logística reversa do bem inservível ou resíduos gerados, ficando agora de forma clara a obrigação do licitante nesse tocante.
Nesse último caso, da Logística Reversa, a própria Lei nº 12.305, que criou a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, já determina desde 2010 a obrigação do cumprimento da Responsabilidade Compartilhada pelo pelo ciclo de vida dos produtos, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos (Art. 30). Sendo portanto uma obrigação de toda a cadeia produtiva, distributiva e consumidora, além do próprio Estado, o cuidado com a destinação final de objetos e resíduos.
A norma foi além, definindo que sem prejuízo das obrigações estabelecidas no plano de gerenciamento de resíduos sólidos e com vistas a fortalecer a responsabilidade compartilhada e seus objetivos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso, assim como sua subsequente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objeto de sistema de logística reversa (Art. 31, III).
Outro ponto inovador na Lei de Licitações é a possibilidade do Edital Licitatório prever a responsabilidade do contratado obter o devido licenciamento ambiental, quando assim exigido. Obviamente essa obrigação já ficava a cargo do contratado, porém os editais nem sempre assim explicitavam, o que trazia, no mínimo, morosidade à execução do bem ou serviço após a contratação, pois algumas empresas contratadas jogavam com a sorte e com a falta de informação explícita desse requisito, esperando sagrar-se vencedora do certame e então se preocupando em correr atrás do licenciamento e muitas vezes, exigindo do Poder Público ações de facilitação na sua emissão, como se dele fosse a obrigação de obtenção.
No tocante a precificação do objeto a ser licitado, resultando em valores claros não somente do custo direto, agora os impactos ambientais e os respectivos custos de sua mitigação ou recuperação ambiental são também parte obrigatória dessa planificação (Art. 34, § 1º).
Em contrapartida, a lei buscou atender também às questões que possam trazer prejuízos ao contratado, como no caso de custos além do previsto com as questões do licenciamento ambiental ao qual estará obrigado o particular.
Poderá ocorrer reanálise de valores contratuais, desde que devidamente justificados com a situação de que os custos além do esperado trouxeram ou trarão desequilíbrio econômico-financeiro ao contrato, fazendo, portanto, com que o contratado não arque única e exclusivamente com tal situação, na qual poderia ser levado à necessidade de quebra contratual por não conseguir manter o serviço ou fornecimento de bens tão somente com o valor inicial contratado (Art. 124, § 1º).
Mas, havendo por exemplo atraso na obtenção de uma licença ambiental ou condições que impossibilitam sua obtenção, por parte do contratado, poderá ocorrer a extinção contratual, pois não pode a Administração Pública arcar prejuízos por uma questão de responsabilidade do contratado (Art. 137, VI). Quando a Administração for a responsável pelo atraso ou não liberação de licenciamento ambiental, a que se sabe que poderia ser obtido pelo contratado, caberá ao contratado terá direito à extinção do contrato (Art. 137, § 2º, V).
Quando constatadas irregularidades no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos: riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato; e, motivação social e ambiental do contrato (Art. 147, II e III).
A Lei criou ainda tipo penal específico, quando da contratação de elaboração de projetos em que o contratado ao emitir dados e condições técnicas omite, modifica ou entrega à Administração Pública um levantamento que contenha informações dissonantes da realidade observada, colaborando para a frustração do caráter de competitividade entre os licitantes ou permitindo que a proposta mais vantajosa não seja a escolhida. Esse crime é capitulado no artigo 337-O e define uma pena de 6 (seis) meses a 3 (três) anos de reclusão e multa.
A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) inova ao exigir que o Poder Público avalie as questões de ordem ambiental ao elaborar um processo licitatório, seja de bens ou serviços.
Concluímos que com essa nova legislação ganha o Poder Público, ganha o Meio Ambiente, ganha a Sociedade Brasileira e a Sociedade Internacional, com a garantia de que novo mecanismo legal brasileiro é aplicado para garantir a proteção ambiental como um todo e os impactos positivos dessa proteção poderão ser sentidos no futuro e a milhares de quilômetros de nosso país, não somente em seu território.