O Senado aprovou em 07/08/19 o Projeto de Lei que altera a Lei nº 9.605/98 – a Lei dos Crimes Ambientais – inovando uma vez mais na área do Direito Ambiental. O PL 27/18, de autoria do Deputado Federal Ricardo Izar (PSD/SP), dispões sobre a natureza jurídica dos animais não humanos.
Em outras palavras, o texto aprovado pelo Senado, que agora depende de nova passagem pela Câmara dos Deputados e na sequência de sanção do Presidente da República, traz um conceito novo ao Ordenamento Jurídico Ambiental, ao definir de forma expressa “que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa”.
O indiscutível avanço na proteção ambiental refere-se ao fato de que os animais não podem mais receber o tratamento como como uma simples res, ou seja, uma “coisa”, um objeto, como ainda são compreendidos por alguns operadores do direito, quando levados a uma interpretação literal do Código Civil Brasileiro. Tal código estabelece em seu artigo 82 que “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”
Em que pese esse artigo não explicitar que nesse conceito de bens móveis incluem-se os animais, o entendimento jurídico, já ultrapassado e não aceito por todos os operadores do direito, é o de que animais, por não se tratarem de pessoas humanas, portanto sem natureza jurídica própria, se encaixam no conceito de coisas ou objetos. E dessa forma, leva ao pensamento minoritário de que podem ser dispostos ao bel prazer de seus donos/proprietários, o que gera um conflito na aplicação da norma, já que a própria Lei dos Crimes Ambientais estabelece, desde 1998, que o proprietário de um animal ao cometer atos de abuso ou maus tratos, ferindo-o ou mutilando-o, comete crime ambiental, passível de pena de detenção de três meses a um ano (Lei nº 9.605/98, art. 32). A própria lei estabelece que tais atos são considerados crimes quando cometidos contra qualquer tipo de animal, indicando quer seja ele silvestre, doméstico, domesticado, nativos ou exóticos. Tais são as definições para que facilite a compreensão dos termos:
- silvestre: aqueles pertencentes originariamente à fauna local, porém naturalmente de ambientes naturais não urbanizados;
- doméstico: naturalmente de convivência mais próxima de seres humanos, como cães e gatos;
- domesticado: aqueles de convivência próxima, porém em muitos casos utilizados para exploração comercial, como caprinos, ovinos, bovinos, equinos, etc.;
- nativos: originários da região/país onde são encontrados;
- exóticos: originários de outras regiões/países;
Não é à toa tal entendimento, uma vez que a legislação brasileira sempre deu esse tratamento, se não vejamos, o Código de Fauna (Lei nº 5.197/67), ainda em vigor, estabelece logo de cara em seu artigo 1º que “os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. Em que pese o citado código abordar sobre animais silvestres, ele trata tais animais como algo do qual se tem uma propriedade, do Estado no caso. Tal pensamento jurídico refere-se, portanto, a um objeto ou a uma “coisa” (do latim res), como comumente difundido no universo jurídico.
Com a iminente possibilidade desse projeto de lei ser sancionado pelo Presidente da República, o tratamento a ser dado agora aos animais é, sem sombra de dúvidas, inovador trazendo-os a um novo patamar no mundo jurídico, saindo do status de objeto a que se tem uma simples propriedade, para uma situação em que possuirão um novo conceito jurídico, de sujeitos de direito não personalizados. A aplicação prática de tal conceito implica em dizer que em pese possuírem, é claro, um proprietário, que em muitas da vezes farão sua compra de terceiros, particulares ou pessoas jurídicas, são elevados agora a uma categoria que possui direitos, os quais são zelados pela própria sociedade e por força de lei, pelos órgãos públicos incumbidos de fiscalização ambiental e fiscalização da própria lei, como o Ministério Público.
Ao tomarem conhecimento de qualquer ato que hostilize tais animais, cabe a tais órgãos a incumbência de fiscalização de tal situação e adoção de medidas protetivas e responsabilizadoras, se necessário. Hoje essa ação já é realizada, pois já existe o tipo penal (tipificação de crime) para atos de abuso e maus tratos, como vimos na Lei dos Crimes Ambientais, porém, a força legal protetiva agora poderá ser maior, como pode ser visto no texto do referido Projeto de Lei:
Art. 1º Esta Lei estabelece regime jurídico especial para os animais não humanos.
Art. 2º Constituem objetivos fundamentais desta Lei:
I – afirmação dos direitos dos animais não humanos e sua proteção;
II – construção de uma sociedade mais consciente e solidária;
III – reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento.
Art. 3º Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.
Antes da Lei dos Crimes Ambientais
Anteriormente à edição da Lei nº 9.605/98, o ato de abuso ou maus tratos de animais já era punido, porém considerado apenas uma contravenção penal. Assim estipula a Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41) :
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.
Tal artigo foi tacitamente (implicitamente) revogado pelo art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais. Portanto, atualmente as ações consideradas cruéis ou abusivas são tipificadas pelo Lei dos Crimes Ambientais desde 1998, o que garante a aplicação de uma pena maior.
Vale ressaltar que o Código de Caça e Pesca de 1934 (Decreto nº 23.672), bem como o Código de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/67), que o revogou, não trouxeram dispositivos legais que tratassem de assunto de maus tratos ou qualquer outro assunto diretamente ligado a animais domésticos ou domesticados, fossem nativos ou exóticos. Portanto, o único dispositivo em vigor sobre tal assunto foi a Lei de Contravenções Penais até a criação da Lei dos Crimes Ambientais.
Link para o texto do PL 27/18.