1. Introdução
Partindo do estabelecido no art. 225, caput, da C.F., “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado…”, tal equilíbrio somente é alcançado através de práticas reais de controle ambiental, desde a prevenção até a repressão de degradações causadas antropicamente, quer seja de forma direta ou indireta. Temos, então, que para o cumprimento do estabelecido no art. 225 de nossa Constituição Federal, as florestas foram, são e sempre serão um dos elementos responsáveis pelo equilíbrio ambiental, seja na garantia de diversidade de espécies vegetais, o que indiretamente garante a preservação das espécies animais, bem como pelas funções ecológicas diversas, como a proteção aos recursos minerais e hídricos e a regulação climática, indispensáveis à sobrevivência humana.
E, enquanto bem ambiental, as florestas possuem sua função ecológica destacada, bem como importante função no processo de desenvolvimento sustentável na sociedade moderna. Pois, indiscutível é a contribuição das florestas no processo evolutivo do ser humano. Elas sempre estiveram presentes em nossas vidas, desde o surgimento de nossa raça, seja fornecendo alimento para nossa própria subsistência, seja fornecendo matéria-prima para a construção de abrigos e também, desde há muito tempo atrás, matéria-prima para o beneficiamento de produtos presentes em nosso dia-a-dia, tanto para um simples ato de conforto ou para a cura de muitas doenças.
Verifica-se que na história antiga dos povos cada um deles buscava sua matéria-prima madeireira de forma aleatória e conforme suas necessidades. No início buscava-se madeira de pequeno porte e pouco peso, com objetivo de utilização como lenha ou construção de palafitas, abrigos e pequenas embarcações. Com o passar do tempo e a evolução tecnológica, o uso passou a ser ampliado, gerando assim uma produção em larga escala de bens manufaturados com matéria-prima florestal, o que obviamente causou o acréscimo de atividades madeireiras em todo o mundo.
Para complementar esse quadro de utilização de todos os recursos possíveis e imagináveis a serem explorados em qualquer floresta de nosso planeta, nos tempos modernos, verifica-se que o processo de garantia dos direitos fundamentais ao ser humano, como habitação, lazer, trabalho, é acima de tudo indispensável e inevitável. Contudo, seus resultados negativos são gerados em progressão geométrica a diversos fatores, dentre eles o aumento populacional. Com a expansão dos limites urbanos, a fim de se criar maior número de habitações para o atendimento da demanda atual, ou ainda a expansão de áreas industriais e agro-pastoris, as áreas de cobertura vegetal densa, ou seja florestas, vem diminuindo consideravelmente.
Para a adequada limitação desse bem ambiental e sua preservação legal é necessário então apontar o conceito de florestas com suas particularidades na esfera jurídica. Serão abordados tanto o conceito legal, quanto o conceito ecológico em si, uma vez que necessária se faz a compreensão exata da necessidade de preservação desse recurso natural, tido como um complexo de diversos bens ambientais. Além da conceituação legal e ecológica, passando-se pelas características das florestas brasileiras, será abordada uma questão pouco discutida na doutrina nacional no tocante a alguma diferenciação, legal e científica, que possa existir a respeito dos termos “floresta” e “mata”. O intuito dessa discussão é o de apontar semelhanças ou diferenças para uma correta conceituação de ambos os termos, uma vez que a legislação pátria, ainda que timidamente, as utiliza em distinção em algumas situações.
Definir o termo “floresta” parece-nos inicialmente missão de fácil consecução, porém não o é. Pois, temos como radical o prefixo “flora”, muito mais abrangente tanto na visão ecológica quanto sob a ótica jurídica. Assim, imperioso se faz a delimitação do termo floresta dentro da visão geral sobre flora ou vegetação, para então concluirmos quais as suas características básicas e imprescindíveis para quando de seu enquadramento em ações preventivas ou repressivas às degradações ambientais, buscando desta forma a aplicação de todos os princípios ambientais de preservação e conservação. Devemos igualmente buscar junto à doutrina jurídica e às ciências ambientais a diferenciação, se houver uma, entre o termo “floresta” e o termo “mata”, uma vez que a doutrina jurídica ambiental não define este último com exatidão e na maioria dos casos se quer o menciona, mas na prática temos a existência de citações na legislação vigente, como por ex., o artigo 41 da Lei Federal N° 9.605/98, o qual criminaliza a conduta de incêndio em “mata ou floresta”. Quis o legislador indicar que são termos semelhantes? Ou quis indicar a existência de alguma diferenciação da vegetação existente nos dois termos, porém pouco perceptível por um leigo no assunto?
2. Definição ecológica de uma floresta
Podemos identificar uma floresta pelo seu potencial de elementos bióticos e abióticos, e ainda pela diversidade de seus habitats que pode oferecer, criando assim um complexo êxito do reino vegetal e animal, desta forma destacando-se como uma das mais exuberantes e significativas manifestações da biosfera.(2) Nos dizeres de CHARBONNEAU “o vocábulo ‘floresta’ evoca uma entidade fisionômica de vegetação que a nenhuma outra se assemelha; as florestas oferecem uma extensa gama de comunidades vivas radicalmente diferentes, em função dos climas, dos solos e da repartição biogeográfica de seus diversos componentes florísticos ou faunísticos”.(3)
A floresta possui uma clara característica de estratificação (escalonamento vertical de espécies) de seus componentes bióticos vegetais, desde espécies rasteiras, herbáceas, e arbustivas ou arborescentes, ou seja, a sobreposição de árvores propriamente dita, criando assim um “teto” de folhagem sustentado por troncos e ramos de uma vegetação endo-epigéia. (4/5)
Encontramos em zonas de clima temperado as florestas formadas por espécimes de carvalhos-verdes e carvalhos-corticeiros, as quais conseguem alcançar a altitude de 15 a 20 metros em seu teto de folhagem. Nessa mesma zona de clima temperado essas florestas possuem ainda a característica de serem essências “caducifólias”, ou seja, vegetais que derrubam todas suas folhas durante o inverno, ganhando folhas novas na primavera; outros exemplos de suas espécies são: o carvalhal pubescente submediterrâneo, o carvalhal com bétulas do oeste europeu e as florestas de faias (6) da Europa Central. Essa queda das folhas, no outono, cria à vegetação florestal um período de repouso durante o inverno, com isso a alternância das estações, as respectivas durações das fenofases (7) do maciço florestal, e ainda a alternância de períodos com luz e períodos com sombra sobre o estrato, acabam por repercutir na composição e o desenvolvimento das camadas inferiores às árvores: a arbustiva e herbácea.
Por essas características as florestas de clima temperado possuem grande pobreza no estrato herbáceo, ao contrário das florestas equatoriais (como no caso brasileiro a ser estudado) que possuem maior quantidade de espécies vegetais “sempervirentes” (vegetais que não derrubam todas as suas folhas de uma só vez; chamados também de sempre-verdes). Seu crescimento é praticamente contínuo em climas que se caracterizam por uma temperatura elevada e acentuada umidade durante o ano todo. A altura do estrato arborescente nessas florestas pode chegar ao teto de 70 a 80 metros.
3. Florestas no Brasil: características e considerações
O Brasil apresenta uma complexa diversidade de ecossistemas florestais,(9) em primeiro lugar devido à sua grande área física, bem como sua diversidade de climas e também de solos existentes em todo o seu território. No entanto, ganham destaque dois domínios florestais, um tropical e um subtropical: a floresta amazônica e a floresta atlântica, mais conhecida como “Mata Atlântica”.
A Floresta Amazônica, também conhecida como Hiléia Amazônica,(10) é uma das grandes florestas tropicais do mundo atual, estendendo-se desde a cadeia montanhosa andina até quase o Oceano Atlântico. A sua característica principal no tocante à flora é sua biodiversidade que pode ser percebida pelo simples olhar de qualquer leigo no assunto. A rica quantidade de espécies animais e vegetais garante um ciclo biológico de extrema complexidade com diferentes funções ecológicas a serem ainda citadas. Possui um clima tropical quente e úmido, além de um vasto complexo hidrográfico, o que confere condições favoráveis para a existência de uma vegetação equatorial distinta de outras florestas, sendo por alguns naturalistas definida como o clímax do desenvolvimento da flora em todo o Globo.(11)
Suas árvores possuem copas sobrepostas inibindo uma visão superior que, no entanto, dão a impressão de um quase infinito mar verde sobre o território da região norte brasileira. Essas características reforçam a ideia de estratificação, levando-nos à ideia de uma superposição de florestas.
No saber de EIDORFE MOREIRA, “ainda que a hiléia tenha se tornado um termo extensivo a outras florestas, o termo não perdeu a sua significação original com respeito à floresta amazônica, tanto mais quanto essa floresta representa o tipo mais completo e desenvolvido dentro de sua categoria botânica. Para todos os efeitos, ela ficou sendo a Hiléia por excelência”.(12)
Sua área territorial brasileira é de 5.217.423 quilômetros quadrados, correspondente a 61% do território nacional,(13) possuindo, como já citado, uma enorme quantidade de espécies florestais catalogadas e tantas outras ainda desconhecidas, o que gera a busca pelo extrativismo vegetal desenfreado.
Já a formação florestal denominada “Mata Atlântica” possui uma gama de ecossistemas em seu interior, desde a floresta propriamente dita (floresta ombrófila densa) (14) até a vegetação de altitude nas suas formações rochosas ao longo do litoral paulista, e áreas de manguezais, além das áreas de transição com outros ecossistemas como o Cerrado. Sua formação original abrangia uma área de aproximadamente 1.360.000 km², o que equivale a 16% do território brasileiro, dividida entre 17 estados, sendo eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, e Sergipe. Recentemente (1995) a área ainda preservada de Mata Atlântica foi estimada em apenas 7,25% da cobertura original, o que equivale a 98.600 km².(15)
Uma característica marcante desse ecossistema é o seu grau de endemismo, ou seja, a caracterização de determinada espécie animal ou vegetal ocorrer somente naquele local. Para se ter uma ideia, de cada duas árvores encontradas na Mata Atlântica uma somente é encontrada nesse ecossistema. Já dentre as espécies de palmeiras, bromélias e outras epífitas o índice de endemismo chega a 70%.(16) Possui ainda esse ecossistema uma grande riqueza de animais vertebrados: 264 espécies de mamíferos, 849 espécies de aves,197 espécies de répteis e 340 espécies de anfíbios.(17)
4. Florestas no Brasil: características e considerações
Estudamos no item anterior a definição ecológica de uma floresta, com base em conhecimentos técnicos das ciências biológicas e ambientais, tais como a Botânica e Silvicultura. Neste novo item iremos abordar a definição legal do termo “floresta”, buscando delimitá-lo no nosso ordenamento e doutrina jurídica, a fim de conceituá-lo para a aplicação de todos os seus recursos protetivos.
Destacamos inicialmente a distinção dada pela doutrina, entre flora e floresta. Nos ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA que:
“flora é um coletivo que se refere ao conjunto de espécies vegetais do país ou determinada localidade. A flora brasileira compõe-se, assim de todas as formas de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas, cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais. […] Floresta é um tipo de flora. Já foi conceituada como toda a vegetação alta e densa cobrindo uma área de grande extensão. Mas esse conceito não satisfaz, porque o fato de cobrir área de grande extensão não é característica essencial da floresta. É vaga também a definição do Aurélio – ‘Formação arbórea densa, na qual as copas se tocam’ – embora já se tenha, aí, uma ideia aproximada, que inclui qualquer tipo de mata e bosque”.(18)
Já PAULO AFFONSO LEME MACHADO diz que
“classificar as florestas não é tarefa isenta de dificuldades, pois depende muito dos critérios adotados. Atualmente temos florestas a serem preservadas e florestas de rendimento. Visando a uma reformulação global do atual Código Florestal apresentou-se outra classificação: a) florestas de preservação permanente; b) florestas protetoras, c) florestas de rendimento”.(19)
Cabe-nos aqui concordar com as palavras do autor PAULO AFFONSO LEME MACHADO no que tange à dificuldade de caracterização e definição de uma floresta, pois como veremos adiante há a semelhança com outros termos como “mata” e “bosque”, que ao rigor técnico das ciências ambientais se demonstram sim semelhantes como explicado anteriormente.
Como já mencionamos a Lei N° 4.771/65 neste trabalho e tratando-se ela da norma jurídica que mais abrange o tema “floresta”, sendo considerada a legislação mais utilizada para a proteção florestal, buscamos em seus dispositivos o conceito que demandamos. Encontramos já em trecho do seu artigo 1° que, in verbis:
“As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”. (19-A)
No transcorrer de todo o texto do referido diploma legal tentamos encontrar qualquer parágrafo ou parte de, que possa exprimir o conceito legal de uma floresta, já que a missão primordial deste dispositivo legal é o de proteção florestal, no entanto não encontramos nenhuma conceituação peremptória para este termo. Iremos encontrar ao longo de seus cinquenta artigos, já modificados desde sua promulgação em 1965,(20) apenas as regras para exploração, quando permitida, e as penalidades para o descumprimento das mesmas regras, também contendo artigos tacitamente revogados pela Lei dos Crimes Ambientais,(21) que disciplina na matéria penal a tutela de recursos florestais, como por exemplo a proibição de corte de florestas consideradas de preservação permanente, sem autorização ou licença.(22)
Estranhamente não encontramos da mesma forma em nenhuma outra legislação ordinária, tampouco em regulamentações tais como Resoluções do CONAMA, qualquer conceituação legal para o que venha a ser um maciço florestal. Encontramos apenas em uma antiga portaria do já extinto IBDF, a Portaria Nº 486-P/86, a definição de floresta como sendo “formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa”, conceituação esta vaga. Assim sendo, continuamos recorrendo ao conhecimento doutrinário para preencher tal lacuna deixada pela própria legislação.
Em concordância com a maioria dos autores em matéria de Direito Ambiental, ÉDIS MILARÉ, define floresta como sendo “uma formação vegetal de proporções e densidades maiores. Mata, selva, grandes extensões cobertas de arvoredo silvestre e espesso, bosques frondosos e denominações semelhantes sempre acorrem à memória ou imaginação”.(23) Já a autora ELIDA SÉGUIN, em seu livro “O Direito Ambiental – Nossa Casa Planetária” abordando tal assunto, apenas faz referência a questão de diferenciação de flora e floresta, dizendo que “Caudas Aulete define flora como ‘coleção ou tratado das plantas de um país ou região’. O Dicionário Brasileiro de Ciências Ambientais assim as define: FLORA – toda a vegetação de um determinado local. FLORESTA – Região dominada por grande quantidade de árvores e bosque”.(24)
Temos então, que os autores de renome na doutrina jurídica ambiental concordam que o conceito de uma floresta é menos amplo que o de flora, sendo este último esculpido pela ideia de aglomeração vegetal, qualquer que ela seja, rasteira, herbácea ou arbustiva, já o primeiro tem como elemento primordial a existência de árvores de grande porte, em aglomeração suficiente para a cobertura do espaço em que se encontra inserido. No entanto, permanece no tocante à sua definição a sensação de falta de plenitude no conceito doutrinário. Assim, buscando uma ideia ainda mais elaborada além das características já mencionadas a respeito de florestas, encontramos nos dizeres de LUIS REGIS PRADO: “um tipo de vegetação, formando um ecossistema próprio, onde interagem continuamente os seres vivos e a matéria orgânica e inorgânica presentes”.(25)
Através de um conceito simples, porém complementar, temos que a floresta deverá ter como conteúdo a interação de elementos bióticos e abióticos dos ecossistemas componentes, ou seja, ar, água, solo, flora em geral e também a fauna.(26) Coadunando com tal entendimento ÉDIS MILARÉ nos ensina que “as florestas são vivas, e mais, constituem também elas sistemas de suporte à vida de outras partes da biosfera. Interagem com o clima, particularmente os climas locais, e ajudam a direcionar a circulação dos ventos”.(27)
Chegamos então à conclusão de que o termo floresta será empregado para exprimir a ideia de um maciço florestal, não por si só, com evidência para a formação arbórea, mas também para a vegetação de sub-bosque, ou seja, a existente sob a copa das grandes árvores, e também devemos considerar os elementos de fauna e abióticos existentes no seu interior. Somente com o equilíbrio entre todos os seus elementos é que teremos uma floresta preservada. Da mesma forma seu valor não se restringe apenas aos elementos em si, mas sim a toda a função que a mesma possua no tocante à manutenção do equilíbrio ambiental, tanto existindo em áreas particulares como públicas.
5. Diferenciação dos conceitos: “Mata” e “Floresta”
No linguajar do povo há uma estreita correlação entre as duas palavras, soando como sinônimas, mas em termos técnicos devemos analisar suas origens e seus verdadeiros significados, buscando dirimir dúvidas para que a interpretação da lei não incorra em prejuízo a quem quer que seja, principalmente o próprio meio ambiente, elo mais fraco. Pois, se a legislação trouxer distinção com tratamentos diferentes para intervenção em cada um destes elementos, a sua aplicação deverá ser balizada pela tecnicidade e não pelo empirismo.
Como caso exemplificativo na legislação ambiental temos a citação de ambos os vocábulos, no mesmo parágrafo, junto a Lei Federal Nº 9.605/98, em sua Seção II “Dos Crimes contra a Flora”, no seu artigo 41, in verbis: “Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta: Pena – reclusão, de dois a quatro anos e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa”.
Neste caso a lei trata provavelmente como sendo dois elementos (não define distinção ou semelhança), mas deixa clara a diferenciação ao utilizar a conjunção “ou”. Temos inicialmente que interpretar a função da referida conjunção.
Em consulta ao dicionário encontramos: “ou conj Expressa alternativa, incerteza, substituição”.(28)
É claro o entendimento de que quis o legislador exprimir que tanto no caso de incêndio em uma “mata”, como no caso de incêndio em uma “floresta” o fato consumado será considerado punível perante o ordenamento jurídico.
Assim, temos implicitamente que os termos “mata” e “floresta” se assemelham, a ponto de receberem igual tratamento protetivo pela Lei dos Crimes Ambientais, porém devem possuir características próprias que os diferenciem em algum(ns) apecto(s) ao menos. Ainda consultando um dos dicionários da língua portuguesa (29) encontramos o seguinte significado para a palavra “mata”: “sf Área cheia de árvores”.
O que nos leva apenas à ideia de espaço contendo em seu interior uma grande quantidade de árvores, não chegando a nos fornecer uma ideia pormenorizada de suas características de vegetação ou outros elementos. E junto ao conceituado dicionário Larousse da Língua Portuguesa (30) encontramos: “mata s.f. 1. Terreno coberto por formação densa de árvores silvestres; bosque, floresta, selva. 2. Agrupamento de árvores da mesma espécie”.
Novamente há um entendimento de área espacial coberta, ou seja, repleta de elementos arbóreos, no entanto com o adjetivo “silvestre”, ou seja, aquilo que é nativo da região, originário daquele mesmo local. Há também nessa segunda definição a utilização de sinônimos como “bosque”, “floresta” e “selva”. No entanto, traz também como agrupamento de árvores da mesma espécie. Temos então que para o vocábulo “mata” no primeiro dicionário consultado o resultado é reiterado junto ao segundo no que tange ao conceito de “terreno cheio de árvores”. Mas a novidade junto ao segundo e mais conceituado dicionário é do aglomerado de árvores da mesma espécie.
Buscando o termo mata junto a um dicionário técnico de meio ambiente (31) encontramos: “mata I. Ver Floresta. II Uma das zonas geográficas em que se divide o Estado de Pernambuco e os estados limítrofes, localizada entre a costa e o Agreste, e cujas características são a boa fertilidade do solo e o grande porte da vegetação”. O termo floresta no mesmo dicionário técnico surge como: “floresta Agrupamento de vegetais com elevada densidade populacional e determinado desenvolvimento, onde predominam plantas lenhosas de porte, coabitando a fauna; mata; bosque”.
Buscando ainda informações junto às ciências ambientais encontramos que o ornitólogo FERNANDO COSTA STRAUBE em seu artigo intitulado “Mata ou floresta?” (32) faz importantes considerações a fim de dirimir a dúvida aqui levantada, dentre elas cita os dizeres do Professor RALPH HERTEL:
“A vegetação brasileira absolutamente não conhece a mata, falando em termos técnicos da botânica. É particularidade interessante lembrar a origem gótica do termo, cuja forma original é maitan. Esta origem explica também o conceito limitativo quanto ao número de espécies: uma ou poucas. Aí está a mais clara diferença entre a mata e a selva ou floresta, cujas árvores são pertencentes a grande número de espécies” (33).
Temos agora um conceito que se conecta ao termo dado pelo dicionário Larousse da Língua Portuguesa, ou seja, a ideia de concentração em uma determinada área de espécimes vegetais da mesma espécie, como por exemplo a mata plantada de eucaliptos, a mata plantada de pinheiros (34) ou também a mata natural de pinheiros do Paraná.(35) E identificamos aqui uma teoria de origem bárbara/gótica para o vocábulo mata, que nas palavras de STRAUBE foi influenciadora para que o professor HERTEL concluísse que “o termo mata provém das vegetações europeias, onde predominam poucas espécies e, portanto, não poderia ser aplicado às nossas luxuriantes e diversificadas vegetações arbóreas dos neotrópicos”.(36)
Junto à legislação ambiental vigente não encontramos nenhuma conceituação definitiva para o termo “floresta”, apenas indícios do que venha a ser uma “floresta”, ao analisar as suas características já vistas no item “2” (Definição ecológica de uma floresta), como estratificação, diversidade e dominância de espécies, e existência de sub-bosque.(37) Encontramos apenas de forma mais comumente a utilização do termo florestas junto ao Código Florestal (38) e outros dispositivos legais.
Já no que tange ao termo “mata”, encontramos sua citação quando utilizado em referência ao nome “Mata Atlântica”. Junto ao atigo 2º da Lei Nº 11.428/06, temos, in verbis:
“Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste”. (grifo nosso)
Junto à doutrina de direito ambiental encontramos apenas definições de florestas, sendo o conceito de mata utilizado em sinônimo ao primeiro. Assim, concluímos forçosamente que há uma distinção entre o termos “mata” e “floresta”, sendo o primeiro relacionado – até mesmo por sua possível origem gótica – à áreas possuidoras de considerável quantidade de espécimes arbóreas da mesma espécie, ou em baixa diversidade, como as matas de pinheiros tão comum nos ecossistemas europeus. Já o segundo termo, floresta, nos remete à ideia de área densamente povoada por grande quantidade de diferentes espécies vegetais, com estratificação bem definida em vários níveis, de herbáceas ao complexo arbóreo, resultando então em biodiversidade elevada tanto em flora quanto fauna, como o caso de qualquer floresta tropical.
No entanto, entendemos que o termo “mata” possui espaço para utilização em nosso território, especialmente no ecossistema de cerrado (39), cujas características condizem mais para este termo do que para o termo “floresta”, no que tange à sua diversidade florestal. Nos ensina ZYSMAN NEINAN que “sua principal característica é a presença de árvores mais baixas e espaçadas, com o predomínio dos arbustos nas paisagens” (40).
Corrobora com a imagem do cerrado acima apresentada os dizeres de CIDNEY RODRIGUES VALENTE: “De um modo geral, pode-se distinguir dois estratos na vegetação do cerrado: o estrato lenhoso, constituído por árvores e arbustos, e o estrato herbáceo, formado por ervas e subarbustos. Ambos são curiosamente heliófilos. Ao contrário do caso de uma floresta, o estrato herbáceo aqui não é formado por espécies de sombra, umbrófilas, dependentes do estrato lenhoso. O sombreamento lhe faz mal, prejudica seu crescimento e desenvolvimento. O adensamento da vegetação lenhosa acaba por eliminar em grande parte o estrato herbáceo”.(41) (grifo nosso)
Porém o mesmo autor faz alusão à existência de parte do cerrado que assemelha-se a uma floresta: “Cerradão: também denominado floresta xeromorfa. Vegetação exuberante, cada vez mais rara, considerada um tipo de formação florestal, com fechamento de dossel de 70%, em média, com espécies arbóreas de 15 metros e algumas atingindo 18 a 20 metros de altura. As condições de luminosidade possibilitam a ocorrência dos estratos arbustivo e herbáceo”.(42)
6. Conclusão
Podemos concluir que não há uma definição legal para o termo “floresta”. Encontramos apenas junto à doutrina jurídica sua definição, porém necessitando também de uma conceituação doutrinária mais adequada. O que possuímos atualmente são definições doutrinárias complementares, das quais extraímos a ideia de que uma floresta será assim considerada a vegetação composta por aglomerado de espécies arbóreas em grande quantidade e diversidade, além de uma vegetação de sub-bosque com clara estratificação de espécies arbustivas, herbáceas e gramíneas, em grandes espaços territoriais, a qual é capaz de abrigar a vida de diversas formas, tanto vegetal, quanto animal e também com esta última mantendo estreita relação de simbiose, servindo-lhe de abrigo, proteção ou alimento. A floresta possuirá ainda um enorme e complexo sistema de outros elementos bióticos e abióticos, interagindo em tempo integral.
Isto posto, podemos concluir que (à vista das ciências biológicas e florestais) o termo mata é equivocadamente (43) utilizado em nosso território quando sob uma ótica técnica, porém é fruto de uma miscigenação de línguas e culturas perfeitamente compreensível em nossa história de país colonizado. Nosso território possui em seus diferentes ecossistemas formações vegetais que se enquadram no conceito técnico de “floresta” e não de “mata“. Até mesmo a utilização, ao pensar deste autor, do termo Mata Atlântica se veria incompleto ante aos conceitos de mata e floresta, pois dada à sua exuberância e biodiversidade acirradas, conferindo-lhe inclusive o título de Reserva da Biosfera, o termo “mata” na mira de um olhar técnico ambiental lhe diminui as qualidades. Porém, esta ideia tratada neste presente artigo não possui a pretensão de mudança de denominações, mas sim apenas de compreensão da magnitude de ambos os termos.
Verificamos e difundimos então a ideia da necessidade do estabelecimento de uma definição legal específica para os termos “floresta” e para o termo “mata”, haja vista que tal não existe perante nosso ordenamento jurídico brasileiro.
7. Notas
(2) CHARBONNEAU, P. J. et al.. Enciclopédia de Ecologia. São Paulo: Edta EPU, 1979, p.46.
(3) Ibid., mesma página.
(4) Ibid., p. 47.
(5) Vegetação endo-epigéia trata-se de vegetação que possui parte do organismo dentro do solo e parte acima dele.
(6) Árvore ornamental, originária da Europa, que fornece madeira dura, própria para a construção civil e marcenaria, e óleo combustível, retirado da amêndoa do fruto. Cf. Dicionário Larousse Ilustrado da Língua Portuguesa. São Paulo: Larousse, 2.004, p. 391.
(7) Queda e renovação das folhas.
(8) CHARBONNEAU, P. J. et al.. Enciclopédia de Ecologia. São Paulo: Edta EPU, 1979, pp. 46-47.
(9) O Brasil abriga entre 15 e 20% do número total de espécies do planeta. Cf. BRASIL. SÃO PAULO.SMA. Relatório de Qualidade Ambiental do Estado de São Paulo 2006, p. 92. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br>. Acessado em: 24/09/07, às 15:45hs.
(10) Definição dada pelo naturalista Alexander von Humboldt, durante expedição à América do Sul entre 1799 e 1804.
(11) SAMPAIO, A. J. A Flora Amazônica. In: Amazônia Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 1944, pp. 92-93.
(12) MOREIRA, Eidorfe. Amazônia: O conceito e a paisagem. Pará: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1958, p. 17.
(13) Cf. Biomassa na Amazônia Legal Brasileira. Disponível em: <http://infoener.iee.usp.br/enbio/brasil/amlegal/amlegal.htm>. Acessado em: 14/09/07, às 15:05hs.
(14) Pluvial.
(15) CÂMARA, Ibsen de Gusmão. Breve história da conservação da Mata Atlântica. In: Mata Atlântica: biodiversidade, ameaças e perspectivas. São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica, 2005, p. 37.
(16) Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Consórcio Mata Atlântica, Universidade Estadual de Campinas, vol. 1, 1992, p. 20.
(17) Cf. Razões do veto ao art. 27 do Projeto de Lei nº 3.285, de 1992 (Lei Nº 11.428/06: Lei da Mata Atlântica). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Msg/Vep/VEP-1164-06.htm>. Acessado em: 22/09/07, às 14:05hs.
(18) SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Edta. Malheiros, 2004, p. 161.
(19) MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 8ª Ed. São Paulo: Edta. Malheiros, 2000, p. 683.
(19-A) O presente artigo foi elabora sob a vigência do antigo Código Florestal de 1965. Entretanto, o conceito de floresta dado pelo novo Código, de 2012, manteve-se o mesmo, cf. art. 2º.
(20) A mais recente alteração se deu através da Lei Nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006.
(21) Lei N° 9.605/98.
(22) Lei N° 9.605/98, art. 38
(23) MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2005, p. 303.
(24) SÉGUIN, Elida. O Direito Ambiental, Nossa Casa Planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 180.
(25) PRADO, Luis Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: RT, 2001, p. 103.
(26) GUIMARÃES FILHO, Sídali João de Moraes. 1.000 Perguntas de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Edta. Rio Soc. Cultural, 2004, p. 92.
(27) MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2005, p. 304.
(28) Dicionário Ruth Rocha. 4ª Ed. São Paulo: Edta Scipione, 1996, p. 444.
(29) Dicionário Ruth Rocha. 4ª Ed. São Paulo: Edta Scipione, 1996, p. 444.
(30) Dicionário Larousse Ilustrado da Língua Portuguesa. São Paulo: Larousse, 2.004, p. 592.
(31) FORNARI, Ernani. Dicionário Prático de Ecologia. São Paulo: Edta A, 1992, p. 157.
(32) STRAUBE, FernandoCosta. Mata ou Floresta?In: Revista Atualidades Ornitológicas, nº 128. Disponível em <http://www.ao.com.br/download/mata.pdf>. Acessado em: 16/01/2007, às 21:06hs.
(33) HERTEL, R.J.G., apud STRAUBE, Fernando Costa. Mata ou Floresta? In: Revista Atualidades Ornitológicas, nº 128. Disponível em <http://www.ao.com.br/download/mata.pdf>. Acessado em: 16/01/2007, às 21:06hs.
(34) Também conhecido como pinheiro-americano, de nome científico Pinus elliottii.
(35) Araucariaceae é uma família de coníferas, de características ancestrais. Atingiram a sua maior diversidade no Jurássico e Cretáceo. Araucariaceae se divide em 3 gêneros com 41 espécies. Das 19 espécies do gênero Araucária se encontra na América do Sul apenas duas, a Araucaria angustifolia (pinheiro-do-paraná) no Brasil e a Araucaria araucania no Chile e Argentina. Também chamados popularmente de pinheiro brasileiro é uma árvore cuja ocorrência nomeou extensa formação nos estados do centro-sul do Brasil sendo também considerada a árvore símbolo do estado do Paraná.
(36) STRAUBE, Fernando Costa. Mata ou Floresta? In: Revista Atualidades Ornitológicas, nº 128. Disponível em <http://www.ao.com.br/download/mata.pdf>. Acessado em: 16/01/2007, às 21:06hs.
(37) Lei Nº 11.428/06, art. 4º, § 2º.
(38) Lei N° 4.771/65.
(39) Formação vegetal constituída de dois andares; o 1°, de vegetação rasteira; o 2°, de arbustos e árvores com altura média de 6 m, caules tortuosos e aparência de vegetação xerófica. [De acordo com a densidade, pode dividir-se em cerrado ralo e cerrado fechado. Os cerrados, onde predominam solos arenosos, apresentam duas estações bem marcadas: uma seca e outra, chuvosa. No Brasil, o cerrado se distribui por uma superfície de 204 milhões de hectares.] Cf. FORNARI, Ernani. Dicionário Prático de Ecologia. São Paulo: Edta A, 1992, p. 53.
(40) NEINAM, Zysman. Era Verde? São Paulo: Atual Edta., 1989, p. 50.
(41) VALENTE, Cidney Rodrigues. Caracterização Geral e Composição Florística do Cerrado. In: GUIMARÃES, Lorena Dall’Ara; SILVA, Maria Aparecida Daniel da; ANACLETO, Teresa Cristina (organizadoras). Natureza viva: cerrado. Goiânia: Ed. da UCG, 2006, p. 34.
(42) Ibid., p. 35.
(43) Junto ao Manual Técnico da Vegetação Brasileira, editado pelo IBGE em 1.992,oconceitode Floresta é dado como um termo semelhante à mata no sentido popular, porém com estratos bem definidos (herbáceo, arbustivo, arvoreta e arbóreo). Manual Técnico da Vegetação Brasileira, nº 1. Rio de Janeiro: IBGE, 1992, p.11.